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A princípio o taumaturgo descreveu as delícias do céu, os querubins tocando harpa e uma nuvem de incenso vagando no azul, entre anjos e santos. A multidão ouvia em silêncio, maravilhada e boquiaberta. Então, de repente, o frade mudou. Sacudiu os braços e soltou a maldição terrível: - Homens sem Deus, mergulhados na lama do pecado. Amancebados! Mentirosos! Adúlteros! Arrependei-vos de vossos pecados! - E passou a descrever as torturas do inferno. Labaredas subiam, tochas ardendo, um relógio marcando: Sempre! Sempre! Nunca! Nunca! Que são as horas da Eternidade. E no meio da fornalha, o suplício do fumaceiro de enxofre sufocando tudo. Aí a multidão se abateu, lábias ciciavam. "Eu pecador, me confesso a Deus", almas tremendo de pavor, como corpos sacudidos de maleita. Junto de mim um matuto de Quitimbu tinha os olhos esgazeados. Cheguei mesmo a ver o suor lhe empastando a fronte morena. Uma velha traçou o xale com força, cobrindo a cabeça tôda, temendo a baforada do satanás. E ao meu lado um soldado desatou o lenço que trazia ao pescoço, como se a coisa lhe abafasse a respiração. E, voltando-se para um companheiro, avisou que ia tomar uma "bicada" pois o cheiro de enxofre estava lhe sufocando a garganta. Depois, Frei Damião baixou os braços, serenou a voz. Nunca, na minha vida, vi silêncio maior. A praça parada, o povo de lábios chumbados, os ohos fitos no frade então o frade rezou. E a multidão respondeu, contrita e imóvel, como se, ao invés de milhares de vozes ali estivesse apenas uma só pessoa, postada diante do pregador famoso, na hora do juízo final, prestando contas ao Altíssimo. (pt) |